Algoritmo não é 'bola de cristal' para sucesso

A Netflix martela o mantra: identidade nacional não é igual a identidade de gostos.

"Moro na Califórnia e posso gostar das mesmas coisas que alguém em São Paulo ou Estocolmo", diz o americano Todd Yellin, responsável pela área de inovação da gigante do streaming. Sob sua batuta está o algoritmo, o sistema de dados por trás das recomendações do que assistir.

Mantras à parte, geografia é central na equação da Netflix, que neste ano atingiu 104 milhões de assinaturas, mais da metade fora dos Estados Unidos -não há dados detalhados. Para fincar tentáculos em países que vão do Brasil à Mongólia, a companhia tem desembolsado milhões.

Há pouco mais de uma semana, o "Los Angeles Times" publicou uma reportagem mostrando que a Netflix acumulou US$ 20 bilhões entre débitos e obrigações para bancar conteúdo original. Procurado, o serviço de streaming afirmou que o número é errado e a dívida total bruta não passa de US$ 4,8 bilhões.

Ainda assim, o jornal californiano sustenta que experts temem o estouro de uma eventual bolha caso a empresa não consiga produzir "hits" suficientes para continuar atraindo assinantes, que são sua grande fonte de renda.

"Dívida é normal em qualquer grande empresa de mídia", diz Yellin, em entrevista à Folha. "Criamos umabiblioteca de conteúdo com liberdade para que as pessoas vejam o que querem. É difícil crer que o mundo vá voltar a ser o que era antes, linear".

Na Cidade do México, onde a Netflix reuniu jornalistas latino-americanos na semana passada, o executivo definiu a empresa como o "casamento perfeito entre entretenimento e tecnologia". Ou entre Hollywood e o Vale do Silício. Nesse segundo polo, sua equipe coleta dados de audiência dos assinantes e os repassa a quem cria o conteúdo.

"Há intuição sobre o que é melhor em cada gênero ou região", diz Yellin. "Mas dados ajudam a criar diversidade."

As "tags" (palavras-chave de qualquer título da plataforma) fornecem um panorama: algo sombrio ou "light", histórias simples ou complicadas, que elementos centrais (sexo? política?). E isso os ajuda a "equilibrar" um catálogo que vai de documentários sobre erros judiciários ("Making a Murderer") a desenho produzido pelo Cirque du Soleil ("Luna Petunia").

 

SEM BOLA DE CRISTAL

A confiança nos dados pode resultar em tiros n'água. As séries "Sense8", "The Get Down" e "Marco Polo" são cancelamentos recentes. "Nenhuma série é eterna. Algumas fazem sentido por poucas temporadas", diz o executivo.

Não é o caso de "Marco Polo". Com custo de US$ 9 milhões por capítulo, foi cancelada após duas temporadas, quando o italiano que dá nome à série sequer terminara sua famosa viagem. Já "Sense8" teve sua terceira temporada transformada num único episódio, de duas horas.

"Alguns dos palpites vão superar os nossos sonhos mais ousados, outros não. Não bradamos que os dados sejam uma bola de cristal."

Podem até não ser, mas são resultado de um olho que tudo vê: a Netflix sabe bem os hábitos de seus assinantes. Brasileiros em geral se "viciam" depois do quarto episódio de uma série, e de de 85% a 90% deles assistem a conteúdo dublado, afirma Yellin.

Profusão de dados não é sinônimo de transparência, prática comum em empresas de tecnologia como Uber e Facebook. Não são divulgados o número exato de assinantes no Brasil e a audiência das produções. No cinema, por exemplo, as cifras são abertas.

Professor universitário e especialista do assunto, Jason Mittel dá um palpite sobre essa recusa em artigo na revista "The Atlantic": "serve ao fim de propagandear produtos como 'hits' sem ter de provar".

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada (08/08/2017)

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